quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

"Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar" - Afrodite reverencia e homenageia Chico Science

"Modernizar o passado
É uma evolução musical
Cadê as notas que estavam aqui
Não preciso delas!
Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos
O medo dá origem ao mal
O homem coletivo sente a necessidade de lutar
O orgulho, a arrôgancia, a glória
Enche a imaginação de domínio
São demônios que destroem o poder
Bravio da humanidade
Viva zapata!
Viva sandino!
Antônio conselheiro!
Todos os panteras negras
Lampião sua imagem e semelhança
Eu tenho certeza eles também cantaram um dia."
Com esse monólogo ao pé do ouvido, o som de Chico Science e Nação Zumbi chegava dizendo a que veio. Era abril de 1995. Recife. E o evento era o "Abril pro Rock". Não lembro quais outras bandas tocaram nesse dia, mas não esqueço jamais do show que definiu qual dos dias eu estaria lá (as apresentações aconteciam da sexta ao domingo).



Manguegirls e mangueboys de carteirinha, pulsos firmes na cadência do refrão - Antene-se: "Sou, sou, sou, mangueboy!" O som era contagiante o suficiente para ninguém ficar parado: baixo,guitarra, tambores cadenciados e um vocalista que apresentava uma nova forma de sentir e pensar a música. Esse era Francisco de Assis França. Olindense mais conhecido como Chico Science, e que se tornou ícone do movimento manguebeat, acompanhado da Nação Zumbi.


Juntamente com o músico Fred 04, vocalista da banda Mundo Livre SA, um novo movimento efevercia de forma muito natural em Recife. A proposta musical era revisitar ritmos da cultura local arrematados por outros que aconteciam aqui e ali. Com o detalhe de que entre o aqui e o ali não havia dimensão e fronteira. Hip hop, música eletrônica, funk, rock. Modernizar o passado foi verdadeiramente uma evolução musical.


E todos já cantavam de cor as composições de Chico Science e Nação Zumbi, pois mangueboy que se prezasse não cansava de ouvir o primeiro cd do grupo, Da Lama Ao Caos, lançado em 1994. 

Voltando ao ano de 1995, no "Circo Maluco Beleza", tradicional casa de shows do Recife nos anos 90, o Abril pro Rock recebia grande público que se aglomerava do lado de fora para comprar os ingressos. Ansiedade e satisfação     eram meus sentimentos mais evidentes naquela noite do dia 08. 

Foi nessa mesma noite inclusive, ao som de SC&NZ que engatilhei um romance com meu futuro marido. Brincamos depois que ele - o Science - foi um dos padrinhos da nossa história. Não tenho a pretensão de aqui fazer análise da cena musical da época. Até porque o tema é por demais vasto e os artistas são muitos. Venho como fã e pessoa que vivenciou e testemunhou uma fase fértil e feliz do movimento cultural da cidade. Como alguém que hoje assiste aos documentários e diz: "Pôxa, isso fez parte da minha vida!"

Hoje, ao ouvirmos os acordes iniciais de "Praieira", onde quer que estejamos - se carnaval, se baile de formatura, não importa, é tudo muito familiar e universal. Todos sabem ao menos o refrão, pois "uma cerveja antes do almoço é muito bom pra ficar pensando melhor". Quem discorda?


Em 96 veio o segundo álbum: Afrociberdelia. Como explicou o pesquisador Bráulio Tavares: "de África+Cibernética+Psicodelismo". Dando continuidade ao projeto Manguebeat, um disco mais, digamos, viajado. Mas em constante evolução musical. A capa de acrílico laranja com o selinho "edição especial tiragem limitada" me fez correr para as lojas e garantir o meu, que aqui posto fotos. Manguetown estourou, bem como a regravação com Gilberto Gil, de "Maracatu Atômico".


Após o play, a voz ritmada de Chico em "Mateus Enter" mais uma vez anuncia seus propósitos:


Eu vim com a Nação Zumbi
Ao seu ouvido falar
Quero ver a poeira subir
E muita fumaça no ar
Cheguei com meu universo
e aterriso no seu pensamento
Trago a luzes dos postes nos olhos
Rios e pontes no coração
Pernambuco embaixo dos pés
E minha mente na imensidão.


Então veio fevereiro de 1997. Na mesma intensidade da alegria em suas apresentações, tivemos o desprazer de receber a fatídica notícia da morte de Chico Science em plena noite de domingo. Eu e Marcelo estávamos em Caruaru, era dia dois, semana pré carnaval e nosso primeiro filho nasceria dois meses depois. Recebemos um telefonema de um amigo. A reação foi igual a de todos: não acreditar. A partida precoce aos 30 anos, deixou, até hoje, a sensação do quanto ele teria produzido e de até onde teria ido com sua mente na imensidão.

A cidade parou para dar adeus a seu ídolo. Lembro de não acreditar nas imagens que vi na tv: uma multidão, uma massa compacta de pessoas atônitas. Caminhou-se do Centro de Convenções ao Cemitério de Santo Amaro. E o som era Manguetown. O carnaval daquele ano aconteceu por inércia e não se comentava outra coisa.

Na semana pré carnavalesca que iniciava, iríamos ao bloco "Na Pancada do Ganzá", do músico Antonio Carlos Nóbrega, com quem CS&NZ tocariam e cantariam num trio elétrico, na Praia de Boa Viagem. A proposta era difundir ainda mais a cultura Mangue e literalmente abrir alas num universo tomado pelas bandas de Axé e abadás, em pleno Recifolia. 

O propósito imediato não se concretizou como planejado, mas como dito em "Um Passo No Mundo Livre", "Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar." Portanto, após  15 anos de sua partida, a cena musical pernambucana caminha dando continuidade a seus largos passos.


"Deixar que os fatos sejam fatos naturalmente, sem que sejam forjados para acontecer/
deixar que os olhos vejam pequenos detalhes lentamente/
deixar que as coisas que lhe circundam estejam sempre inertes/
como móveis inofensivos/
pra lhe servir quando for preciso/
e nunca lhe causar danos morais, físicos ou psicológicos."

Corpo de Lama - Chico Science e Jorge Du Peixe.

2 comentários:

  1. Os acordes iniciais de Praieira são o novo Vassourinhas! Fato.
    Beijo, Creusa.

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    1. É mesmo, Miguel! Vc sintetiza como ninguém. Beijo saudoso.

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