sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

MDNA TOUR. MADONNA CONTINUA SE EXPRESSANDO E MANDANDO VER



Em 2008, quando a cantora Madonna voltou ao Brasil após 19 anos, desde The Girlie Show, cometi o disparate de não escrever sobre a experiência de ter estado na sua Sticky &Sweet Tour. As lembranças são muitas embora os detalhes vão ficando pouco a pouco para trás. Ao completar 30 anos de carreira, Madonna novamente pôs o pé na estrada com sua MDNA Tour, momento propício para minha redenção.


Pois bem. Os clichês permeiam a condição humana e com a cantora pop não tem sido diferente. O sexo, a beleza, a pobreza, a religião, o preconceito, todas essas referências e um sem número de outras estão em suas estórias, suas letras e, principalmente, em suas imagens.


Mas há um quê em seu olhar intenso o suficiente para transcender a aparência do próprio lugar comum. Há uma força transformadora em sua narrativa. Mesmo que previsível.


Contraditoriamente, ao longo dessas três décadas, seu combate tem sido contra os lugares comuns. Para quem alarda que uma senhora de 54 anos deve ser dar ao respeito e se recolher às portas da velhice, Madonna se apresenta como a pecadora que aspira ser uma boa garota, ou vice-versa. Como a mulher assustada que mata o amante com um tiro na cabeça, vira líder de torcida para em seguida fazer um streap.


Aliada a essa postura, a MDNA Tour trouxe um aparato tecnológico admirável com recursos de telões e painel de última geração, bailarinos afiados e figurino diversificado. Mas quem dá vida a toda essa parafernália é sem dúvida a dona da festa.

Com uma resistência física espantosa, a rainha do pop dança e muito, interpreta, canta e comanda seu show. Pernas e braços trabalhados de dar inveja a muita jovem, a superstar chega anunciada por um coro religioso. Reza, pede perdão a Deus e, com uma arma em punho, destrói a própria catedral virtual. Começa aí a desconstrução de dogmas. Monges tiram suas capas e se transformam em dançarinos em Girl Gone Wild, dando boas vindas à festa profana.


Algumas músicas são playback, é fato. Mas quem daria conta, por quase duas horas, de cantar e dançar daquele jeito? Em todo caso, dessa vez ela lançou mão do recurso menos do que em S&S.
Na verdade, essa questão é a que menos importa diante da linguagem tão madônica de seu show. Sua dança e sua energia provocadora envolvem o diversificado público. No Estádio do Morumbi, em são Paulo, havia héteros convictos, homossexuais assumidos, pais com seus filhos adolescentes, jovens, velhos, gente pra todo o gosto. Era a prova viva do refrão “Music makes the people come together.”


No primeiro dia do show em São Paulo, quem chegou cedo foi presenteado com uns 40 minutos de ensaio. A histeria foi grande quando a cantora surgiu ao fundo do palco, toda de preto, luvas e boné, conversando com sua equipe.


Ensaiou a abertura, Revolver, Papa Don’t Preach, I Don’t Give A, o trio Express Yourself/Turn Up The Radio/Give Me All Your Luvin, I'm a sinner e Celebration. E também Vogue, que interrompeu e repetiu várias vezes por conta de uma falha técnica. Quem estava na santa grade testemunhou melódicas broncas em seu staff. Mas também falou com os espectadores, tirou algumas brincadeiras e disse um "obrigada" ao se retirar do palco.


Anoiteceu e o público enfrentou a cansativa espera. Para quem estava na pista premium e chegou cedo, ir ao banheiro era um ato de desprendimento e coragem, pois corria o risco de perder seu lugar mais próximo da diva. Gente de tantos lugares se amontoavam. O atraso de duas horas e a irritação foi esquecida de um segundo para o outro quando a cantora entabulou o seu primeiro “Oh my God!”.


O seu painel de LED, o maior do mundo, é um show à parte. Integrado ao contexto de sua música, exibe imagens que complementam e explicitam as mensagens. De Michelângelo, com as telas de “O juízo final” e “O toque de Adão” a imagens de santos, Madonna afirma que o sagrado e o profano estão em cada um. Em Express Yourself, desenhos da Pop Art das décadas de 40/50. Detalhe para o desenho de uma dona de casa típica dos anos 50, com um lenço amarrado na cabeça, e que mostra seu dedo médio. O questionamento é implícito: As mulheres precisam se conformar com uma só condição?


No terceiro e penúltimo bloco, o inesperado: após cantar Human Nature/Erótica, improvisa um streaptease, veste a camisa de um fã e some palco adentro sem cantar a tão esperada Like a Virgin. O sussurro é geral e ninguém entendeu. A dose se repete no dia seguinte e até hoje não se tem uma explicação. Ao menos oficial, pois as teorias são muitas: O piano seguiu direto para Porto Alegre (onde ela também não cantou), o espartilho a estava machucando, ela cansou de cantar o hit, foi por conta do tipo de público, enfim. Se há uma falha imperdoável, essa ela cometeu e não explicou. E nem vai. "Its human nature."


A presença de Madonna é algo muito forte. Ela é atitude. Algumas canções de seu homônimo álbum MDNA, como o rap I Don't Give A, eram puladas por não parecerem tão interessantes. Também quando entrou no set list, não despertou curiosidade.

Contudo, é outra coisa ouvi-la e VÊ-LA no palco tocando sua guitarra e disparando frases sobre ser uma multimulher, com todos os encargos da vida moderna, anunciando o refrão "I'm gonna be ok/I don't care what the people say/I'm gonna be alright/gonna live fast and I'm gonna live right". Concluímos que é bem ela mesmo, que sua postura é assim e ela se coloca exatamente dessa forma. Viver como se deseja e não se importar com o que as pessoas dizem é mais uma dica.    


Então vem o último bloco e uma Joana D’arc hippie chic surge. Todo o estádio é atingido por raios de luz, a festa espiritual se instala e Madonna dança em slow motion passos de artes marciais. Daí em diante, ela reconhece que é uma pecadora, reza com Like a Prayer e retorna à profana pista de dança que nunca largou. Quem esperar recolhimento dessa pop star, é bom entrar no clima e rever seus conceitos, pois muita lenha ainda vai queimar. Ao que parece, o próximo dogma a ser posto por terra será o da velhice.



Fotos: Afroditesequiser e Marcelo Malta. 

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